CORTA
CORTA
Não se trata de minha opinião particular, de “feminista-que-odeia-homem”. Estatísticas mundiais, iniciadas na França (epoliciais, o que indica que os números são bem maiores, tendo em vista o medo que as vítimas sentem de reportar) há anos mostraram que o primeiro estuprador de meninas é o pai biológico, seguido de irmão, tio, outro membro da família e só por último o desconhecido. As perguntas que deveriam ter sido feitas, se o programa quisesse mesmo “revelar” alguma coisa e não apenas servir de apoio à decisão da justiça de liberar o predador recentemente absolvido deveriam ter sido outras. No entanto, a participação masculina nessa desgraça nacional, passa batida para o reporter, ele próprio individualmente talvez inocente do papel que está fazendo.
Dizer que a reportagem nada tinha a ver com o caso não “pega” – essa é uma questão que está causando clamor em todos os jornais!)
No decorrer das buscas por menores prostituidas, no auge das “descobertas escabrosas” surge uma desesperada moradora de um edifício prostíbulo que tenta denunciar uma cafetina que manteria meninas em cárcere privado. Outra vez! Quantos cafetões, porteiros, donos de boteco, de postos de gasolina, não estarão envolvidos nesse negócio? Mais uma vez, uma mulher é focalizada como monstra. Mulher que provavelmente já foi, ela própria, prostituta infantil.
Cansa-me ver vítimas serem sempre as culpadas. Principalmente na televisão. Veículo das massas. As coisas sempre virando ao contrário.
Lembro a importância da televisão para as novas classes médias, que se alimentam de programas humorísticos chulos e preconceituosos, de BBBs, de shows religiosos com testemunhos histéricos de milagres. Lembro dos conluios e arranjos que são feitos para que esse tempo no mais “precioso dos veículos”, seja o maior possível para que um candidato se eleja.
CORTA
(Interessante esse deslocamento psicológico da faca. Com minha cabeça guestáltica lembrei da conhecida afirmação de masculinidade “eu sou espada!”)
MISÉRIA, SEMPRE A CULPA DE TUDO
O jornalista não tentou conversar com a polícia espancadora. Nem correu atrás, como fez com os travestis, de nenhum cliente. Disseram que era difícil falar com eles. E pronto. A única declaração desse lado da questão foi favorável, é claro, ao gênero masculino: um motorista que mostra a aliança e chama as moças da estrada de bagaço, e ele prefere ser fiel à esposa. Ele é simpaticão, convincente.
Assim, os clientes dessas crianças são fantasmas. Fantasmas cujos ímpetos irrefreáveis sobre meninas de 11, 12, 14 anos não precisam ser questionados, investigados, muito menos censurados. A culpa, segundo a visão do programa, é claramente da miséria. E talvez nem exclusivamente da miséria, mas também das próprias crianças. Sem as informações de “como-onde-quando”, resta ao telespectador brasileiro imbecilizado pela ignorância e pela telinha concluir: “Também, quem mandou ela ter relação sexual aos 10 anos?”
Enfim, o gênero masculino nada teria a ver com a exploração de crianças. Seria só nossa miséria o que tornaria meninas de 10 ou 12 anos, imediatamente “adultas responsáveis e conscientes do que estão fazendo” como disse a defesa do sujeito que foi recentemente liberado do estupro por um juiz brasileiro.
CORTA
O ponto de vista da mídia brasileira é outro. Há quem diga que os americanos são puritanos. Sim, eles são. E hipócritas. Mas assim como os franceses, os brasileiros são mais atrasados com relação à visão da mulher e da criança. Na França ao menos há uma forte reação feminista e o DSK continua sob sua mira. No Brasil o cenário não parece assim tão distante da situação vivida pelas meninas sob os fundamentalismos muçulmanos, que se “casam” aos 10 anos. E elas casam pra valer, os maridos não ficam aguardando que cresçam para consumar o ato, como há quem acredite. Pudera, a esposa de Maomé tinha 9 anos quando ele teve relações com ela. Qual o mal, não é? Faz parte da cultura deles. Cultura não pode ser usada como desculpa para qualquer coisa. “Cultura não é ditada por Allah” -- como diz a reformadora do Islã Irshad Manji – “é uma invenção humana, dos homens”.
Nossa exploração sexual de crianças seria fruto de miséria, apenas? Ou de nossa cultura brasileira? E nela, qual o papel do gênero?
Como se vê no programa Profissão Repórter, a iniciação sexual de certas meninas começa aos 10 anos. Seus “parceiros” devem continuar a ser perdoados? Ou vamos lutar contra esse precedente jurídico tão evidentemente...fundamentalista?
Rita Moreira
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